Fique Por Dentro - Waltinho Travaglini: Um nome que é sinônimo de kart no Brasil

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Para os registros oficiais, Walter Travaglini Filho. Para o esporte automobilístico, simplesmente Waltinho Travaglini

A trajetória de Waltinho Travaglini se confunde com a do kartismo no Brasil. Vivencia ativamente a modalidade desde sua criação. Decantado e respeitado por todos foi o maior kartista de todos os tempos, foi fabricante de karts, introdutor e importador por décadas dos motores Parilla no Brasil e hoje team owner de uma de nossas melhores equipes de kart, a TR3 Motorsport, onde lapida o talento de jovens que um dia podem chegar na F1.

Todos conhecem seu nome. É uma lenda do esporte. Mas poucos conhecem sua trajetória e é isto que resolvemos trazer para vocês.

Até o final dos anos 50 nosso automobilismo era feito de carros importados antigos adaptados para as competições. Não se falava em preparação de carros e sim de carros “envenenados”, em geral impulsionados por potentes V8 americanos com caixas de marchas de algum Maserati, Ferrari, ou Jaguar. O cenário era dominado pelas Carreteras e monopostos de motor dianteiro, já em desuso na F1, ou Indycar. Claro, todos com V8 americanos, no que chamava-se Mecânica Continental.

Com o inicio da indústria automobilística nacional as montadoras passaram a usar o esporte como laboratório de desenvolvimento e, claro, como ferramenta de algo que anos depois seria conhecido como marketing. No domingo um Simca vencia em Interlagos e na segunda as vendas aumentavam. O mesmo com os Gordini e os pipocantes DKW de dois tempos. Com isso, o automobilismo começou a crescer.

Naquela época não existia internet, i-phones, aplicativos e nem mesmo transmissão de qualquer corrida pela televisão. Algumas provas nacionais (as mais importantes) eventualmente tinham transmissão de radio – que era A.M., portanto apenas local – e quase nenhuma cobertura de jornais. Os aficionados só podiam contar com duas revistas nacionais mensais, ou ir para as bancas de aeroporto garimpar alguma publicação estrangeira, para saber um pouco do que acontecia pelas pistas.

Era tempo de uma juventude pouco informada, mas ávida por vivenciar aventuras e repleta de sonhos e imaginação. Os heróis não eram então chamados de pilotos, eram “corredores de automóvel”. E ser corredor era o sonho máximo de qualquer rapaz de boa família…

Foi nesse panorama que Claudio Daniel Rodrigues encontrou em uma revista norte-americana uma matéria sobre umas corridas que estavam acontecendo no entorno do estádio Rose Bowl, na Califórnia. A “barata” (outro termo em voga na época) era um tal de “Go-Kart”, criado pelo engenheiro de corridas Art Ingels -  que trabalhava na construção de Indycars e Midgets na Kurtis Kaft - e por seu amigo Lou Borelli.

Habilidoso e repleto de imaginação, Claudio Daniel Rodrigues – que era cunhado do “corredor” da equipe Willys, Luiz Pereira Bueno –, com base nas fotos da reportagem, resolveu criar a versão tropical do “Go-Kart”, que chamou de Rois Kart. Claudio produziu algumas unidades e no dia 13 de agosto de 1960, nas ruas do loteamento que seria depois o bairro Jardim Marajoara, em São Paulo, foi realizada a primeira prova de kart no Brasil.

Claro, além dos pilotos participantes, dezenas de jovens estavam lá para conferir de perto a primeira corrida de kart no Brasil. A maioria não apenas assistindo, mas ajudando os competidores e em tudo que fosse possível. O importante era participar e achar um jeito de também ser “corredor de automóvel”. Dentre essa troupe um garoto baixinho e franzino de 14 anos de idade acompanhava o corredor Afonso Giaffone. Era seu primo Waltinho Travaglini.

O evento foi um sucesso e o pequenino monoposto caiu no gosto de todos. Logo criaram no Weekend Country Club, em Cotia, o primeiro circuito permanente de kart do país e Travaglini estava presente em todas, decidido que também seria um corredor. Só ainda não era por impedimento legal, já que a norma imposta pelo Automóvel Clube do Brasil, órgão máximo que antecedeu a CBA- Confederação Brasileira de Automobilismo, determinava que corridas só eram permitidas para quem tinha mais de 18 anos de idade. Os autuais pilotos da Mirim, Cadete, Junior Menor, Junior, Novatos e boa parte do grid da Graduados só poderia, naquele tempo, ficar torcendo, sentadinhos nas arquibancadas.

No dia 15 de novembro de 1964 as comemorações da Proclamação da República em Ribeirão Preto, no interior paulista, contavam com uma prova de kart. Era a Duas Horas de Kart. Já com 18 anos, Waltinho pode, finalmente, fazer sua estreia no kart e fazendo dupla com seu primo Afonso Giaffone a bordo de um kart Silpo. Claro, venceram a corrida!

As vitórias e títulos foram se sucedendo com constância ao longo de sua carreira de piloto, que terminou em 1979. Foi Tricampeão Brasileiro de Kart – 1972, 1973 e 1977 – em uma época em que não havia a atual profusão de classes na modalidade. Todos os títulos na classe principal.

Em 1970 Waltinho fez parte da primeira equipe brasileira que disputou o Mundial de Kart, em Thiverval-Grignon, na França. “Era nossa primeira participação e tomamos um baita pau dos europeus com nossos Kart Mini assimétricos, apesar de termos bons motores da Parilla”, conta Travaglini. O mundial foi vencido pelo belga François Goldstein, que tinha um chassis alemão Taifun e, maravilhado,  Travaglini resolveu fazer um “cover” nacional. Com seus primos Afonso e Zeca Giaffone montou a Azeva, que projetou e construiu o chassis Cox. Era um verdadeiro torpedo, que colocava mais de dois segundos por volta nos Mini e FBM de então. “A Mini não perdeu tempo e logo copiou o chassis da Birel, lançou o Maxi Mini, e o equilíbrio voltou. Tive grandes pegas com o Maneco Combacau e o Alberto Savoia, nessa época”, explicou Waltinho. Apesar do sucesso a fabrica dos Cox acabou vendida tempos depois para o também kartista e empresário, Ciro Aliperti.

Em 1972 Travaglini venceu tudo que disputou, faturou os títulos do Paulista, do Brasileiro e do Nacional, um campeonato que era disputado em cinco estados. Fechou o ano com mais de 20 vitórias. Em outubro o Autódromo de Interlagos recebeu o II Torneio Internacional de F2 e Waltinho fechou com Sandro Angeleri – sócio de Max Mosley – sua participação como piloto da equipe March, para competir na F3 inglesa e europeia em 1973, com patrocínio da Dulcora - naquela época a maior fabricante de balas e drops do Brasil -. Porém a Dulcora sofreu um revés e acabou encerrando suas atividades e com ela a melhor oportunidade de Waltinho seguir uma carreira internacional, que certamente o levaria para a F1.

Após voltar do Mundial de Kart de 1973, Waltinho Travaglini projetou e construiu um novo kart baseado no chassis inglês Zip, que lançou no mercado nacional. Era o Sulam e tinha como pilotos “só” Ayrton Senna e Waltinho Travaglini. O Sulam foi fabricado, com sucesso, até aproximadamente 1980, quando a fabrica passou a se dedicar mais ao crescente mercado de acessórios para carros e carrocerias especiais.

Waltinho voltou mais três vezes ao Mundial de Kart. Em 1971, em 1973 – quando fez dupla com o holandês Peter De Bruijn e em 1978, pela equipe de fabrica da Swiss Hutless, em Le Mans, na França. “Mais que chassis e motores o que fazia a diferença nesse mundial eram os pneus e tanto eu, quanto o Senna éramos pilotos da Bridgestone, de longe o melhor pneu. Mas as brigas foram muito intensas e todos os ponteiros acabaram se matando. O título acabou sobrando para o norte americano Lake Speed, com Birel/Parilla, que veio quietinho e não entrou nas confusões”, confessa Travaglini. Certamente Travaglini foi uma das referencias de Ayrton Senna, que começou sua carreira já no ocaso da de Waltinho e foi frequentador assíduo da escola de pilotagem que Waltinho mantinha em Interlagos. Conversas constantes e trocas de informações, que faziam de Ayrton um aluno quase eterno.

A década de 70 foi a época de ouro do kartismo no Brasil, quando tínhamos no disponível Brasil o mesmo equipamento de ponta da Europa, que permitia aos nossos pilotos um desenvolvimento técnico em igualdade de condições aos melhores da Europa. Um kartismo forte e pilotos talentosos era a receita exata para formarmos os ases que brilharam na F1 e trouxeram tantos títulos e vitórias ao Brasil. Essa era de ouro durou até 1977, quando o governo militar proibiu a importação de produtos que entendia supérfluos. O kart era “supérfluo”, portando somente poderíamos dispor no Brasil de produtos nacionais.

Waltinho Travaglini foi o maior kartista do Brasil e em uma época que só tinham feras na pista Zeca Giaffone

Nosso kartismo forte entrou em letargia, com as importações proibidas até 1990, mas Travaglini trouxe e introduziu no mercado nacional, ainda em 1979, os poderosos motores Parilla para o Brasil, sendo o representante da marca por mais de três décadas no país.

Ainda em 1979 optou pela carreira em carros de turismo. Foi piloto oficial da Fiat no Campeonato Brasileiro de Marcas, até 1982. Fez algumas provas na Stock Car e venceu, com Zeca Giaffone, três edições da Mil Milhas Brasileiras (1986/88/89) com um Opala da Stock Car.

Hoje construtor dos chassis da Stock Car, do Brasileiro de Turismo e Protótipos, além de cuidar dos possantes motores V8 de ambas categorias e, também, do Mercedes-Benz Grand Challenge, com a empresa JL Racing, o ex-kartista, ex-campeão da Stock Car e vencedor de cinco edições da Mil Milhas Brasileiras, o paulista Zeca Giaffone acompanhou de perto a carreira de Waltinho e nos conta um pouco dessa trajetória. - "Waltinho Travaglini foi o maior kartista do Brasil e em uma época que só tinham feras na pista. Tinha o Carol Figueiredo, o Maneco Combacau, o José Carlos Pace, só gente muito boa".

"Era um nome bem cotado para fazer sucesso lá fora, mas faltou sorte para ele.  Embora fosse um nome conhecido e respeitado no kartismo mundial, ele não tinha muitos contatos no meio do automobilismo europeu, o que era fundamental, mais importante que o dinheiro".

Piloto, importador, projetista, fabricante, professor e dono de equipe. Waltinho já “jogou” em todas as posições nesse veloz campo e, claro, reinou absoluto em tudo que se propôs a fazer.

Afinal, seu nome é sinônimo de kart!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Última atualização ( Ter, 04 de Novembro de 2014 06:57 )